domingo, 26 de fevereiro de 2012

Saindo do Armário - parte 2

No dia seguinte a nossa primeira conversa acordei tarde e vi 10 chamadas não atendidas do número do meu pai, não quis retornar, pois não sabia como seria o clima com meu pai, até o momento (23/02/12) não sei. Mas as chamadas tinham sido da minha mãe e ela voltou a ligar durante a tarde.

Na conversa que se seguiu, com ela um pouco dopada e eu extremamente centrado, surgiram diversas perguntas e felizmente eu estava pronto pra dar as respostas certas e pra mostrar a ela que era dela agora a responsabilidade de resolver esse imbróglio.

Tenho lembranças misturadas porque demorei a registrar isso e a conversa foi extremamente LONGA e ela me perguntou de tudo:

- Quem mais sabe?

Aqui começa a preocupação dela em se manter no armário, processo inverso ao meu e que é muito bem descrito pela Edith Modesto: "quando o filho sai do armário, a mãe entra". A preocupação em não espalhar a notícia é normal, a motivação é a mesma que faz tantos homossexuais se esconderem por tanto tempo: O MEDO.

Medo da reação dos parentes.
Medo dos olhares de desdém.
Medo das fofoquinhas.
Medo do preconceito que os filhos podem sofrer.

Mas todos esses medos já foram superados pelo filh@ que resolve contar que é gay pros pais. Por esse mesmo motivo usei este argumento para mostrar o quanto já tive medo e o quanto tinha sido difícil conviver com esses medos a vida inteira.

Uma das coisas que eu disse foi que ela imaginasse esse medo que ele tinha, mesmo ela tendo um companheiro, tendo casa própria e um emprego do qual não há riscos de demissão por essa causa, mesmo ela no alto dos mais de 40 anos tem MEDO DO PRECONCEITO.

Esse preconceito que era alimentado mesmo que inconcientemente nas piadinhas homofóbicas, nos comentários insinuosos sobre o comportamento mais afeminado de um menino ou mais masculino de uma menina [preciso explicar isso melhor qualquer dia desses].

Um frase forte que disse:
"Nada do que você venha a sofrer vai se comparar ao que já sofri, mesmo que passe pelas mesmas coisas não será igual, você tem mais de 40 tem sua família, sua casa, seu marido... Eu era apenas uma criança e tive que passar por tudo isso calado sem a ajuda de ninguém!"

Nessa conversa falamos sobre namoro e casamento, no dia anterior eu tinha soltado a pérola:
"Eu não quero morrer sozinho e você não vai estar o tempo todo aqui... Um dia você vai morrer e quem é que vai estar comigo quando eu estiver velho e doente? Quem vai estar do meu lado?"

Mas nessa segunda tarde é que veio a enxurrada de perguntas, algumas até engraçadas:
- Ele é menor de idade?
- Não, ele tem 22 anos. E essa idéia de que todo gay é pedófilo é só mais uma das estórias que lhe fizeram acreditar.
- Você está usando camisinha?
- Eu acho que com 25 anos eu já sei me proteger, mas sim, eu uso sempre. E essa história de que todo gay tem AIDS é outra das invenções que colocaram na sua cabeça. 
- E ele sái com outros rapazes? [WTF ela tomou???]
- Mainha, qual a parte do MEU NAMORADO você não entendeu? Ele é MEEEEU namorado! Ele só sái comigo e eu com ele. Mais uma vez você só tah repetindo o que lhe fizeram acreditar, que todo gay é promíscuo... meu amigo MAGRO tah toda semana com uma menina diferente e ninguém diz nada.
- Magro é também????
- Não!!!!! Eu falei MENINAA. Ele tah sempre de namorada nova e ninguém fala nada. Fulaninho é meu primeiro namorado e eu tô namorando ele há quase um ano.
- Então você quer que eu acredite que ele é seu primeiro homem? [Tom sarcástico forte]

Nesse momento eu me fingi de doido, tudo tem limite né? Até intimidade! (KKKK).

Ela me pediu que eu não casasse, podia morar junto mas casar não! [Sério Marcia???] E também pediu [de forma delicada] que eu fingisse que ele era apenas um amigo e que eu não deixasse eles verem carinhos, beijos, mãos dadas etc. Nesse momento eu retruquei:
- Mãe. Vocês não estão em posição de exigir NADA. Eu não estou pedindo NADA, eu só estou dando a chance de vocês participarem verdadeiramente da minha vida, não pela metade! Eu não quero esse amor pela metade! Se for pra ter vocês por perto fingindo ser quem eu não sou, eu prefiro não ter mais contato nenhum! É muito menos doloroso do que estar do lado de alguém pela qual você faria qualquer coisa e saber que essa pessoa não é capaz de fazer o mesmo por você.
- Não diga isso, eu faço, Eu lhe aceito, eu como mãe eu tenho obrigação de lhe aceitar!
- NÃO!!! NÃO!!! Você não tem obrigação nenhuma comigo. A única coisa que você tem é uma escolha: aprender a lidar com isso ou sair da minha vida!
Não tô dizendo que vai ser fácil e rápido. Não! Você vai sofrer! E vai sofrer MUUUUITO. Mas a única coisa que você pode fazer é isso. Eu não tenho problema nenhum com isso, o único que tinha era de não ter contado ainda pra vocês... Quem tem um problema são vocês e chama-se PRECONCEITO, então aprendam a lidar com isso... Procure uma ajuda profissional, um psicólogo, um terapeuta, quem tem um problema agora são vocês!

Depois a conversa deu uma amenizada... Ela falou que meu pai e ela estavam muito tristes e que ele estava chorando muito. Eu disse que por mais que eu sentisse eu não conseguia me comapadecer da dor dos dois, porque esse sofrimento não era nada perto do sofrimento que leva milhares de jovens a tentar sucídio todo ano e do sofrimento das famílias desses jovens que morreram porque não tiveram apoio de seus familiares. Nesse momento eu usei o caso de um primo que morreu ano passado:

- Você acha que você está sofrendo? Você acha que o sofrimento que você tá passando se compara a dor da mãe dele? Acha mesmo?
- Não, nada se compara a dor dela...
- Pergunte ao seu irmão se depois de tudo que ele sofreu, e ainda está sofrendo, se ele preferiria saber que o filho dele está lá enterrado ou que o filho dele tem um namorado?
[Longo silêncio]
- Você acha mesmo que dá pra comparar?
- Não.
- Então não diga que tá sofrendo... Eu sofri vinte anos calado e nunca disse nada pra evitar que vocês sofressem.

Depois de algum tempo de conversa ela estava novamente exausta e resolveu desligar.

Foi cansativo mas valeu a pena, eu disse muitas outras coisas que eu não conseguiria descrever aqui sem misturar a ordem, mas pude dizer com calma e paciência. As centenas de textos das dezenas de blogs que já li me deram tanto o conhecimento do tema quanto a humildade de me colocar do outro lado da situação.

Sei que ainda vão haver longas conversas, ainda nem conversei com meu pai, mas cada dia me mostra o quanto eu adiei esse momento e quanto esse adiamento me deu ferramentas pra passar por issos sem muito estresse.

UPDATE

As coisas melhoram muuuito e eu já conversei com meu pai: http://historiasdearmario.blogspot.com.br/2012/07/minha-primeira-conversa-com-meu-pai.html

2 comentários:

  1. oi! cai aqui de paraquedas total mas estou adorando o blogue... e estou orgulhosa da sua coragem... um dia de cada vez, acho que o mundo vai ficando melhor, e voce ta' fazendo a sua parte ;)

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    1. Muito obrigado gata!

      O importante é não esmorecer! Apanhamos da vida mas acabamos por criar resistência. ;)

      OBS: Meu mundo já está bem melhor viu! A melhora é tão grande que eu diria que meu relacionamento hoje é muuuuuuito melhor que antes!

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